BOM SENSO

Bom senso?
Prefiro não o levar em conta, nem a sério, se antes ele não valoriza o senso comum; nem ao senso comum, se desobedece aos princípios éticos básicos; nem à ética, se não respeita à moral; muito menos à moral, se ela não se alicerça nos princípios cristãos contidos na Bíblia Sagrada, única regra de fé e prática cristã.
Tentar manter e mostrar bom senso em meio ao relativismo dos dias de hoje, é defrontar-se e confrontar-se com valores negativos do caráter, tão em voga, tão vigentes e tão contrários ao positivismo idealista. E o relativismo é tão utópico, tão sem sentido, tão abstrato e inglório quanto a vaidade que enche o indivíduo e esvazia a humanidade. É o absoluto contra-senso.
09/11/2010.

TRABALHO X EMPREGO

 “Brasileiras e brasileiros...”; “cidadãs e cidadãos...”; “senhoras e senhores...”; “servidoras e servidores”, peço licença para... Deus me livre dizer “adentrar” ou “penetrar” os seus aparelhos, através deste e-mail!
            Senhoras e senhores, perdoem-me a brincadeira.
Como aos meus, também aos seus ouvidos devem soar mal, termos como estes. O linguajar político, o discurso padrão, os verbos, os substantivos e os adjetivos mal utilizados, desperdiçados, insultados até, como termos ou objetos de linguagem.
            Nossa intenção é apenas tratá-los respeitosamente como amigos, colegas e chamar a atenção para o a nossa humilde proposta: escrever algumas linhas destinadas à reflexão, sobre um tema do interesse geral.
            Quando dissemos amigos, no parágrafo acima, o fizemos sem duvidar, com a certeza ou pelo menos com a grande esperança que, se não o somos todos, há boas condições para que o sejamos ainda. Estamos certos? Quando, entretanto, dissemos colegas, sentimos que o termo destoa daquela que deveria ser a nossa realidade. Que pena! Às vezes, somos apenas colegas de emprego. A instituição que constituímos não tem, infelizmente, institucional ou filosoficamente, o mesmo significado para todos.  Há quem pense e ainda acredite que Ela é, como toda instituição pública parece ser, um cabide de empregos onde se pagam bons salários e pouco se trabalha; há quem pense (isso acontece aqui?) que, na mesma proporção em que se somam os anos e as progressões, diminuem-se as obrigações, as responsabilidades e que, “ralar”, é para novato. Há também quem pense e até faça questão de dizer que, por já haver suado a camisa no passado, no presente e para o futuro não necessita mais nem mesmo transpirar, perspirar. Puxa! Que maus exemplos temos dado! Que testemunho ruim para as gerações futuras que em nós buscam imitação e inspiração!  Não é até uma falta de patriotismo? De civismo? De cidadania? Mas o que é patriotismo, civismo, cidadania? Perguntaríamos. Isso ainda existe? É claro que o que estamos dizendo aqui não servirá de carapuça para ninguém. Já pensaram se algo se encaixa na nossa própria cabeça?
            Sobre o trabalho, disse Rui Barbosa em seu conceito de patriotismo: “O patriotismo consiste praticamente no trabalho”.  Puxa! Então é quem trabalha que está certo nas relações de emprego? Mas quem é esse tal Rui Barbosa? O que ele queria dizer com isso?  Queremos mesmo saber? Bem, queria dizer com isso, o maior jurista brasileiro de todos os tempos, corroborado por S. Júlio Schwantes, que:

Não é patriota o funcionário público que lesa a pátria com um serviço displicente. Não é patriota o cidadão que, envergando a farda do ‘exército nacional’ é negligente no cumprimento do dever. Não é patriota o estudante que procura, à socapa, substituir o esforço mental assíduo e perseverante por métodos fraudulentos.

            Queria ele dizer que “o mais humilde brasileiro, que no seu recanto obscuro e desprivilegiado ganha honestamente o pão para si e para a família, com o suor do seu rosto, dá mostras do mais são patriotismo”. Queria ele dizer ainda, “que cada cidadão, pela sua indústria ou displicência, contribui para enriquecer ou depauperar o organismo nacional”; dizer, ainda, que:

Enriquecem-no aqueles que, no manejo da enxada, da máquina ou da pena, trabalham com o propósito resoluto de servir à comunidade e que ao trabalho devotam toda a energia, levando de vencida a inércia própria; que enriquece o país o lavrador industrioso que, das entranhas férteis da terra arranca o alimento que nutrirá um povo; enriquece a nação o operário destro que, nas fábricas e oficinas, converte a matéria-prima em tecidos, calçados ou máquinas que tornarão mais confortável a existência humana; enriquece a pátria o engenheiro, o médico, o professor, todo aquele, enfim, que focaliza a luz da sua inteligência na resolução dos problemas atinentes ao bem-estar econômico, social e religioso de seus semelhantes.

            E diria mais, o “Águia de Aia”: “São parasitas os que exploram a sociedade em benefício próprio, os que vivem à custa do Estado sem nada produzir, os que vegetam em lastimosa ociosidade. Tais indivíduos são como células cancerosas que roubam a vitalidade do organismo”.
            Também diria o grande educador Teodoro Parker: “O imperativo do trabalho está gravado no corpo do homem, no músculo vigoroso do braço, e no delicado mecanismo da mão”.
            E Schwantes, reforçando todas as verdades acima, diria também que “a explicação mais razoável que já encontrara para o fator ‘êxito’ estava contida na ironia inconsciente de um cartaz que anunciava o horário de trabalho numa loja da Quinta Avenida, em Nova Iorque. No referido cartaz lia-se: ‘Nesta loja ninguém trabalha mais de 40 horas por semana, exceto, os diretores e gerentes’".
           Ainda segundo Schwantes, “séculos de escravidão contribuíram para desmerecer a dignidade do trabalho braçal em nossa terra. ‘Trabalho é para escravo’, é o rifão que ainda se ouve com freqüência. O futuro, porém, é dos povos dinâmicos, afeitos ao trabalho”. Não adianta dizer-se que o Brasil irá crescer e ultrapassar a linha do subdesenvolvimento, alcançar o primeiro mundo, se o busca apenas criando empregos e salários, sem incentivar o trabalho, sem conscientizar para o trabalho, sem educar para o trabalho.
“‘Se o trabalho não me honra, hei de honrar o trabalho’, foram as palavras com que Epaminondas, o futuro herói de Leuctras e Mantinéia, respondeu a seus inimigos políticos que o haviam elegido para chefe da limpeza pública em Atenas. Movido por este espírito, converteu uma tarefa tida por desprezível em verdadeira obra de engenharia sanitária.
Segundo Jesus Cristo, em uma de suas parábolas, não seremos julgados no Tribunal Divino pelo número de talentos a nós confiados, mas pela fidelidade na aplicação destes!.
“Nenhum trabalho é enfadonho, se feito em nome de um ideal. A falta de um objetivo digno degenera-se em rotina maçante. E é necessário conhecer amplamente aquilo em que e porque se trabalha, ainda que seja do todo, uma parcela insignificante!” (Autor ignorado).
            Percebe-se pelo exposto, que o futuro não está no emprego, na função, na tarefa, mas no homem.
            Precisamos romper com a falsa noção de que não podemos ser perfeitos em nada. O ideal posto diante dos homens pelo maior mestre de todos os tempos é a perfeição: “Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos Céus”.       
Concluindo, voltaremos a Rui Barbosa, em sua “Oração aos Moços”, espécie de testamento espiritual composto por ocasião do seu jubileu jurídico:

Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do homem. A oração é o íntimo sublimar-se da alma pelo contato com Deus. O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante a ação contínua sobre si mesmos e sobre o mundo onde labutamos... Quem quer, pois, que trabalhe, está em oração ao Senhor. Oração pelos atos, ela emparelha com a oração pelo culto... Não é trabalho digno de tal nome o do mau, porque a malícia do trabalhador o contamina. Não é oração aceitável a do ocioso; porque a ociosidade a dessagra. Mas, quando o trabalho se junta à oração, e a oração ao trabalho, a Segunda criação do homem, a criação do homem pelo homem, semelha, às vezes, em maravilhas, à criação do homem pelo Criador”.

            Senhoras e senhores, a página chega ao fim e apenas citei palavras alheias. Mas, quem melhor e o quê melhor que os nomes e exemplos citados poderia eu fazer? Por favor, não sejam, tão exigentes comigo. Afinal de contas, nosso intuito era apenas contribuir para que, um dia, quem sabe, se derrube por terra esse rótulo de produto de terceira categoria que pesa sobre o servidor público.

                                                                Dalto Divino

MULHER VIRTUOSA

No Capítulo 31 do livro de Provérbios, encontramos a mãe do rei Lemuel ensinando-o: “Mulher virtuosa, quem a achará?”, como a preveni-lo, alertando-o de que, apesar de rara, a mulher virtuosa existia.
         Esta primeira metade do versículo 10 do Capítulo 31 de Provérbios nos remete para a consideração particularizada dos dois aspectos significativos que dividem em duas frases a oração. O primeiro é o aspecto afirmativo do qualificativo de determinadas mulheres: “Mulher virtuosa...”. Mas, quem é a mulher virtuosa? Seria tão só e simplesmente a mulher de valor, no sentido de todas as formas de excelência, quer seja no aspecto prático, quer seja no filosófico ou espiritual? Perguntaríamos, então: a primeira mulher, Eva, foi um exemplo de virtuosidade? Podemos afirmar que sim. Sua existência, antes da queda, a incluía no conjunto da obra do Criador como tudo de perfeito que Ele criara. E também dela disse o próprio Deus: “Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom”. (Gn. 1:31).
         Ao ser concebida, a partir de um desejo de Deus, no desfecho da criação do mundo, a fim de que pudesse ter o homem uma auxiliadora idônea (Gn. 2:18), feita também conforme a imagem e semelhança do Criador, a mulher, Eva, era, com certeza, perfeitamente virtuosa. Se, entretanto, ao desobedecer, Eva perdeu parte dessa virtude, parte da sua semelhança com Deus, foi-lhe, em contrapartida, oferecida, através da promessa do próprio Deus, a oportunidade de readquiri-la, por meio da sua própria descendência.
         Tal se deu com a moabita Rute, de origem incomparavelmente diferente da de Eva.  A descendência de Rute poderia ser considerada a partir de sua antepassada, a filha de Ló, na relação incestuosa com o próprio pai, dando origem à nação moabita que, apesar do parentesco com Israel, era idólatra, pecaminosa e perseguidora do povo de Deus. Essa origem, reprovável do ponto de vista da lei e dos costumes judaicos e tão humilde, se comparada à de Eva, contudo, não se constituiu obstáculo a que Rute, a exemplo de Noemi, sua sogra, alcançasse a plena virtude.
         Deixando sua nação, sua pátria, sua fé, seus deuses, Rute seguiu Noemi, adotando-a como sua família, como também para si, adotou sua pátria, seu povo, sua fé, seu Deus. E, da mesma forma que da descendência de Eva, também foi da descendência de Rute que nasceu o Salvador.
Pode haver maior virtude que esta?
O Segundo aspecto a ser considerado é o indagativo: “... quem a achará?”, como se a evidenciar a dificuldade de se encontrar o raro exemplar ali qualificado, no mesmo contexto, lança-se um desafio a que se o encontre.
         Como Eva, ao ser feita imagem e semelhança de Deus, portanto, cheia de virtude, Rute, ao se converter, fez-se virtude, assumindo a semelhança da santidade e espiritualidade de Deus.
         E como Adão regozijou-se com a virtuosa Eva dizendo: “Esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne” – (Gn. 2:23), também foi assim que Abraão encontrou virtude em Sara, que Isaque a descobriu em Rebeca, que Jacó a achou em Raquel, Boaz em Rute, José na Virgem Maria. E é assim, também, que cada um de nós, homens, busca, descobre e encontra virtude em nossas mulheres, quer sejam mães, esposas ou filhas.
         A virtude de Eva, como a de Rute, a virtude da mãe de Lemuel (sutilmente induzindo o filho a buscá-la), a virtude de qualquer mulher, como a virtude de qualquer homem, está em cumprir a vontade de Deus. Está a virtude na essência, no “ser” humano, na aparência que o homem tem, adquire ou assume com Deus, buscada na sua imagem e semelhança, no ato sublime do nascimento ou do renascimento (conversão), através da ação formadora ou transformadora do Espírito Santo.


                                                                           Dalto Divino - 09.01.2002

EM CIMA DO MURO

Optei, entre tantos assuntos e temas interessantes e atuais, em dissertar sobre este, principalmente porque ele mexe comigo e, de certa forma, me afeta e à sociedade como um todo. Também penso que o escolhi porque, além de tudo, me incomoda, e o incômodo me atiça. É como um espinho na carne, sempre avisando que existe. Porém não é o incômodo com o que as pessoas pensam ou deixam de pensar a respeito, que me assedia, mas o significado e a implicação do próprio termo em si: “em cima do muro”. Preocupa-me a definição, a origem, o que quer realmente ou supostamente dizer. Confesso que pesquisei bastante, porém, pouco descobri sobre a tal origem e o porquê da sua aplicabilidade, utilizado que tem sido, principalmente, para designar aquele que ainda não se definiu, não tomou posição, não escolheu o lado.
Originalmente, o termo: “em cima do muro”, tanto quanto centro-direita-esquerda, tinha uma conotação espacial. Nos primeiros tempos dos governos representativos, mais especificamente ligados à Revolução Francesa (1789-1799), o congresso era ocupado da seguinte forma: no centro, posicionavam-se os membros representantes da alta burguesia, parte da pequena e média burguesia e alguns membros da aristocracia, ou seja, a composição era variada. Não eram radicais e procuravam uma conciliação. Ora apoiavam a esquerda, ora apoiavam a direita. Não se comprometiam. Podia-se dizer que se posicionavam “em cima do muro”, de acordo com a sua conveniência. Posteriormente foi adquirindo um perfil ideológico, como nos dias atuais. Assim, ao ouvirmos falar de direita, logo pensamos em conservadores; esquerda nos faz vislumbrar os revolucionários ou progressistas; centro denota aqueles indivíduos mais moderados ou conciliadores.
         Como disse Eustáquio Lagoeiro Castelo Branco: “É comum hoje, a utilização de determinados termos e expressões aos quais, às vezes, não damos atenção, mas que são importantes se queremos entender a nossa situação política. Pessoas há que dizem ‘detesto política’, e se esquecem ou não sabem que toda a sua vida, o seu dia-a-dia, giram ou estão intimamente ligados a essas mesmas circunstâncias políticas”.
         É engraçado como, em situações tais, nos habituamos, preconceituosamente, a classificar as pessoas que não estão do nosso lado como estando “em cima do muro”. O problema maior, geralmente, nem é a questão da indecisão, da indefinição na hora de optar, de escolher, mas a forma e a oportunidade da escolha. É de livre e espontânea vontade? Ou é a única opção? Às vezes, o mais relevante e considerável não é a nossa incapacidade de tomar a decisão, mas a impossibilidade de decidir, definir, escolher. Há, em muitas situações, ações coercitivas poderosas. Há inibições, pendências, dependências, interesses, constrangimentos, negociatas, até. Há uma infinidade de aspectos a se considerar quando se supõe ou se afirma que alguém está “em cima do muro”. Pode ser até que uma pessoa que pareça estar “em cima do muro” esteja, na verdade, em baixo. Já paramos para pensar que o muro também tem a parte de baixo? E que é exatamente nesse lado de baixo, da base, do alicerce, do fundamento, onde se encontram emparedados os excluídos de todos os outros lados? Já pensamos que é dali, de baixo, que geralmente surge um ou outro “fundamentalista” que vai se posicionar contra a maioria, geralmente representada pela direita ou pela esquerda? Sim. É dali, de onde o atrito faz ranger os alicerces contra os fundamentos básicos, que surgem os extremismos, os radicalismos, os revanchismos. E é, justa e geralmente, por não utilizarmos os mesmos pesos e as mesmas medidas, por não conhecermos o uso do nível e do prumo, do esquadro perfeito; é por nos esquecermos do código de Deus e dos homens que os sepultamos, Deus e homens, embaixo dos muros e deles nos esquecemos como se estorvos removidos tivessem sido. Esquecemo-nos de Deus, homens e muros. É por isso que elevamos alguns ao alto e a outros classificamos à direita ou à esquerda, conforme o nosso interesse ou ignorância.
         Reportando-nos ao período do regime segregacionista da África do Sul de há alguns anos, lembramo-nos que havia ali, um muro. Invisível, ele era. Mas, existia! Daquele muro não ninguém havia à direita, ninguém havia à esquerda. Havia apenas os de cima e os de baixo. E lá, a ninguém foi oferecida a oportunidade de escolher de qual lado ficar. Porém, a maioria foi selada nas entranhas e brechas dos alicerces mal fundados, como emblema do fundamento de uma pirâmide desigual.
         Da mesma forma, só que bem visível e concreto, é o novo “Muro do Apartheid”, atualmente em construção pelo governo de Israel. Este, além de representar uma ocupação ilegal de território, visa isolar e expulsar a população palestina de dentro de suas próprias terras, na Cisjordânia, numa demonstração descarada e declarada da política sionista-israelita. E, “em cima” desse muro, estão ocultos também os interesses americanos, ingleses e dos seus parceiros políticos e econômicos.
         Também foi para semelhante fim, proteger as terras conquistadas aos cananeus, que Jerusalém cercou-se de altos muros de pedra. Várias vezes derrubados, finalmente sobrou a parte do lado oeste, chamada hoje de “Muro das Lamentações”. E nós sabemos o porquê de os judeus chorarem e lamentarem até hoje? Seria a destruição do templo? A dispersão que espalhou Israel pelo mundo? Ou choram e lamentam por não haverem se apossado de uma vez por todas de todas as terras palestinas?
         Outro muro histórico foi o de Jericó, primeira cidade conquistada por Israel na peregrinação pela posse da terra prometida. Ali, sob um cerco que durou seis dias, a cidade esperou. No sétimo, ao toque de sete trombetas, o muro cedeu e desabou inteiro. Quem sabe não é a vez de os palestinos darem o troco?
         Em cada uma dessas situações, sempre houve quem estivesse à direita ou à esquerda e, principalmente, em cima e em baixo do muro. Até mesmo porque era no fundo das próprias valas abertas para o assentamento das gigantescas pedras da base de tantos muros erguidos, que muitas vezes eram sepultados, tanto os que sucumbiam sob o trabalho pesado da construção, quanto os que se dispunham a conquistá-los ou a defendê-lo,s nas incontáveis batalhas ao longo dos anos, dos séculos ou dos milênios a fio, de escravidão.
         Por tudo isso, tenho preferido manter definida minha posição crítica a respeito do tema, e expressá-la, quando posso, ainda que por isso, muitas vezes também tenha sido lançado para debaixo dos muros.
         E os demais, de que lado têm preferido se colocar?
         A quem poderíamos, do alto da nossa avaliação, em situações de escolha, supor ou apontar como estando “em cima do muro”?
         “Em cima do muro” nos postamos todos nós, sempre e de certa forma, quando preferimos nos acomodar no melindre de supostas ofensas do que reconhecermos razão a um adversário, quase sempre um colega ou amigo que está do outro lado.
         “Em cima do muro” estamos nós, quando atiçamos conflitos para ver quem atira primeiro ou quem tem pólvora para queimar e, sem compromisso ou comprometimento, nos debandamos ou nos bandeamos, de acordo com os nossos próprios interesses ou conforme o sobe-e-desce das pesquisas de intenção.
                   “Em cima do muro” estamos nós, toda vez que antecipamos a escolha de acordo com as vantagens que podemos auferir. E isso é estranho? É anormal? É extraordinário? Não! Isso é a regra, infelizmente. Seria utopia, considerado o caráter moral do homem de hoje, pensar que, numa disputa eleitoral, se buscasse a prevalência do interesse do todo em detrimento do interesse dos grupos; a prevalência dos interesses da nação, do estado, do município ou de qualquer instituição, em detrimento dos interesses das corporações ou dos indivíduos.
         “Em cima do muro” está sempre o nosso orgulho sutil que tende a cegar-nos quanto aos nossos próprios erros e exagerá-los nos outros.
         Por outro lado, engana a muitos o que, disfarçadamente, como lobo em redil de ovelhas, se posta “em cima do muro” tirando vantagens incalculáveis, arrebanhando inocentes que se deixam levar, ou conquistando a admiração dos ignorantes que se julgam espertos. Quantos, nos seus arroubos, encontram a vítima incauta e a conduz à sua vontade, para finalmente seduzi-la na escolha ou na definição do lado? Este, mais que os outros, ri-se e se regozija de estar “em cima do muro”. 
         E quem é que não está “em cima do muro”?       
         Não está “em cima do muro” o que é astuto, resoluto, e audaz ou o que faz do ideal a escolha e luta com afinco para que isso ainda o valha. Mas o idealismo não existe sem fé e a fé verdadeira “... não é tentar crer em algo a despeito das evidências. Fé é ousar fazer algo apesar das conseqüências”, já dizia Sherwood Eddy. Aquela é a fé contemplativa; esta é a fé dinâmica, que no conceito acima se torna sinônimo, não de posicionamento, mas de crença no ideal, de coragem, de esperança.
         Quantos muros os homens já levantaram? Muros de vergonha! Muros que se erguem entre pessoas, raças, padrões sociais; muros que perfilam como fortalezas entre religiões que ainda acreditam no mesmo Deus. Muros que separaram irmãos, patrícios, pó da mesma terra, sangue do mesmo sangue.  Muros invisíveis, barreiras inexpugnáveis construídas com os tijolos do orgulho, da inveja, do ódio, do egoísmo, da vaidade desmedida, que põem por terra os verdadeiros valores éticos e morais que deveriam reger a humanidade e, principalmente, depõem contra ela mesma. São os nossos preconceitos os verdadeiros arquitetos de todos esses muros. E somos nós mesmos o barro que une cada tijolo ao outro.
         E como encaramos a nós mesmos diante de tudo isso?
         Que atitudes temos tomado ou deveríamos tomar?
         Atitudes? Poderíamos nós, os que não conhecemos o significado de um ideal, perguntar: quem somos, para tomar atitude? Para que tomar atitude? Que atitude tomar?
         Atitude, senhoras e senhores, cidadãos! Não apenas posicionamentos. Atitudes, compromissos, participação efetiva e mais que efetiva, afetiva. Acima de tudo, não permitamos que qualquer situação proposta ou imposta nos separe uns dos outros ou venha quebrar o elo da comunhão, da unidade, da fraternidade. É forte o poder? É forte a direita? É forte a esquerda? Porque é forte este e fraco aquele? Por causa das atitudes! Somos fortes ou fracos dependendo das nossas atitudes. Mas, cuidado com as atitudes! Há atitudes fortes que dispersam, enquanto outras aglutinam; há atitudes fortes que desintegram, enquanto outras agregam. Então, como tomar a atitude certa? Tomemos as nossas atitudes de acordo com o lume que nos guia, ainda que o vejamos apenas como a nossa própria consciência moral, mas, após uma consulta direta a Deus. Tomemos as nossas atitudes racionalmente, pensadamente, após uma consulta direta a Deus. Tomemos as nossas atitudes intuitivamente, instintivamente, conforme manda o coração, mas só após uma consulta direta a Deus. Queremos melhor conselheiro? Quem de nós tem melhor conselheiro? Você tem? Então, tome a sua atitude de acordo com o seu guia, ainda que seja ele o seu próprio interesse!  Saibamos, porém, que com as nossas atitudes, com os nossos posicionamentos, também estamos construindo e desconstruindo. E, principalmente, busquemos saber que tipo de construção estamos erguendo ou derrubando entre nós mesmos. Não serão muros?
             
Dalto - 2002

CASA ABANDONADA

            Minha casa encontrava-se vazia, a longo tempo desabitada. Estava sem vida, sem alma, sem alegria. O pulsar descompassado que mal fazia mover o “pêndulo” do velho relógio de parede era sinal mais que evidente do desleixo, do abandono. De lado a lado, só paredes vazias, portas escancaradas, janelas batendo soltas, vidraças estilhaçadas... melancólica solidão ocupando os espaços vazios, os lugares das coisas, dos sentimentos. Em baixo, chão seco, piso batido, pó, frialdade. No alto, teias sob telhas quebradas, céu aberto. Frestas do abandono. Pela porta escancarada, não era difícil entrar. Entretanto, não era convidativo. Mas alguém se armou de ousadia, de coragem e entrou. Não se anunciou. Não bateu. Não pediu licença. Sem violência, sutilmente, carinhosamente invadiu o limiar, transpôs os umbrais, penetrou. Entrou como se entra pela noite, saindo do dia; naturalmente, como obedecendo a um convite ou desafiando um epitáfio mudo estampado na fachada triste. Entrou. Com seu jeito próprio, foi tomando conta e, zelosamente, cuidando, recuperando, reformando, restaurando, regenerando. Fechou as portas, cerrou as janelas, correu as cortinas, acendeu as luzes, vedou as frestas, tirou as teias, emendou as telhas, espanou o pó, poliu os vernizes, deu corda ao relógio, acelerou o pêndulo, alimentou meu cãozinho, varreu a solidão, aqueceu, deu vida e alma nova ao vazio que havia ali. Carinhosa, gentil, sossegadamente instalou-se, tomou conta, adonou-se do que não tinha dono. Colocou uma poltrona no canto, um tapete no centro da sala, um divã sob a janela, um quadro na parede, um som potente no quarto, um computador plugado na internet e uma mensagem de otimismo na tela. Decorou, arquitetou no seu tempo, a seu gosto, do seu jeito. Minha casa transformou-se de um dia para o outro, adquiriu vida nova, mudou de cara, de cor, de ares, de alento. A tristeza fez as malas e se foi embora, arrastando consigo, a passos preguiçosos, a solidão. Um novo morador ficou. Não um inquilino, mas um dono. Um sorriso, uma palavra, um “bom dia” toda manhã, gestos simples, atitudes singelas, expressões sinceras, confiáveis completaram a reforma e a transformação foi pluralmente radical. A minha casa ficou nova. Tão nova como nunca fora, desde a sua construção.
Quanto tempo vai durar? Não sei. Quem sabe? Pelo menos o bastante para fazer-me conhecer a felicidade larga tanto quanto outrora a estreita dor. Durará para dar-me uma sobrevida, uma esperança quem sabe curta, porém nova, um motivo para sorrir, cantar, agradecer e até retribuir? Durará o tempo suficiente para acostumar-me com o sofá no canto, com o divã sob a janela, com o quadro na parede, com o gongo pontual do relógio, com o meu cãozinho gordo abanando o rabo num sorriso agradecido? Durará o bastante para fazer-me esquecer que os sonhos também podem se tornar reais, como, por outro lado, interromperem-se ao acordar e que o retorno à realidade pode acontecer na queda vertiginosa de um pesadelo?
E agora? Tenho muito medo que de repente, a mensagem de otimismo desapareça da tela e que ela volte a se tornar vazia e negra. Que o “bom dia” caloroso que abria os portões da jornada fazendo-a quente e doce, esfrie, descontinue e os dias se esvaziem, esvaindo-se novamente em amargura, como dantes.
Tenho muito medo que a minha casa fique de novo vazia. Vazia e fria. Fria e amarga. Mais vazia, mais fria, mais amarga do que eu agora.
                                                                                             
Dalto – 22.07.2004