TRABALHO X EMPREGO

 “Brasileiras e brasileiros...”; “cidadãs e cidadãos...”; “senhoras e senhores...”; “servidoras e servidores”, peço licença para... Deus me livre dizer “adentrar” ou “penetrar” os seus aparelhos, através deste e-mail!
            Senhoras e senhores, perdoem-me a brincadeira.
Como aos meus, também aos seus ouvidos devem soar mal, termos como estes. O linguajar político, o discurso padrão, os verbos, os substantivos e os adjetivos mal utilizados, desperdiçados, insultados até, como termos ou objetos de linguagem.
            Nossa intenção é apenas tratá-los respeitosamente como amigos, colegas e chamar a atenção para o a nossa humilde proposta: escrever algumas linhas destinadas à reflexão, sobre um tema do interesse geral.
            Quando dissemos amigos, no parágrafo acima, o fizemos sem duvidar, com a certeza ou pelo menos com a grande esperança que, se não o somos todos, há boas condições para que o sejamos ainda. Estamos certos? Quando, entretanto, dissemos colegas, sentimos que o termo destoa daquela que deveria ser a nossa realidade. Que pena! Às vezes, somos apenas colegas de emprego. A instituição que constituímos não tem, infelizmente, institucional ou filosoficamente, o mesmo significado para todos.  Há quem pense e ainda acredite que Ela é, como toda instituição pública parece ser, um cabide de empregos onde se pagam bons salários e pouco se trabalha; há quem pense (isso acontece aqui?) que, na mesma proporção em que se somam os anos e as progressões, diminuem-se as obrigações, as responsabilidades e que, “ralar”, é para novato. Há também quem pense e até faça questão de dizer que, por já haver suado a camisa no passado, no presente e para o futuro não necessita mais nem mesmo transpirar, perspirar. Puxa! Que maus exemplos temos dado! Que testemunho ruim para as gerações futuras que em nós buscam imitação e inspiração!  Não é até uma falta de patriotismo? De civismo? De cidadania? Mas o que é patriotismo, civismo, cidadania? Perguntaríamos. Isso ainda existe? É claro que o que estamos dizendo aqui não servirá de carapuça para ninguém. Já pensaram se algo se encaixa na nossa própria cabeça?
            Sobre o trabalho, disse Rui Barbosa em seu conceito de patriotismo: “O patriotismo consiste praticamente no trabalho”.  Puxa! Então é quem trabalha que está certo nas relações de emprego? Mas quem é esse tal Rui Barbosa? O que ele queria dizer com isso?  Queremos mesmo saber? Bem, queria dizer com isso, o maior jurista brasileiro de todos os tempos, corroborado por S. Júlio Schwantes, que:

Não é patriota o funcionário público que lesa a pátria com um serviço displicente. Não é patriota o cidadão que, envergando a farda do ‘exército nacional’ é negligente no cumprimento do dever. Não é patriota o estudante que procura, à socapa, substituir o esforço mental assíduo e perseverante por métodos fraudulentos.

            Queria ele dizer que “o mais humilde brasileiro, que no seu recanto obscuro e desprivilegiado ganha honestamente o pão para si e para a família, com o suor do seu rosto, dá mostras do mais são patriotismo”. Queria ele dizer ainda, “que cada cidadão, pela sua indústria ou displicência, contribui para enriquecer ou depauperar o organismo nacional”; dizer, ainda, que:

Enriquecem-no aqueles que, no manejo da enxada, da máquina ou da pena, trabalham com o propósito resoluto de servir à comunidade e que ao trabalho devotam toda a energia, levando de vencida a inércia própria; que enriquece o país o lavrador industrioso que, das entranhas férteis da terra arranca o alimento que nutrirá um povo; enriquece a nação o operário destro que, nas fábricas e oficinas, converte a matéria-prima em tecidos, calçados ou máquinas que tornarão mais confortável a existência humana; enriquece a pátria o engenheiro, o médico, o professor, todo aquele, enfim, que focaliza a luz da sua inteligência na resolução dos problemas atinentes ao bem-estar econômico, social e religioso de seus semelhantes.

            E diria mais, o “Águia de Aia”: “São parasitas os que exploram a sociedade em benefício próprio, os que vivem à custa do Estado sem nada produzir, os que vegetam em lastimosa ociosidade. Tais indivíduos são como células cancerosas que roubam a vitalidade do organismo”.
            Também diria o grande educador Teodoro Parker: “O imperativo do trabalho está gravado no corpo do homem, no músculo vigoroso do braço, e no delicado mecanismo da mão”.
            E Schwantes, reforçando todas as verdades acima, diria também que “a explicação mais razoável que já encontrara para o fator ‘êxito’ estava contida na ironia inconsciente de um cartaz que anunciava o horário de trabalho numa loja da Quinta Avenida, em Nova Iorque. No referido cartaz lia-se: ‘Nesta loja ninguém trabalha mais de 40 horas por semana, exceto, os diretores e gerentes’".
           Ainda segundo Schwantes, “séculos de escravidão contribuíram para desmerecer a dignidade do trabalho braçal em nossa terra. ‘Trabalho é para escravo’, é o rifão que ainda se ouve com freqüência. O futuro, porém, é dos povos dinâmicos, afeitos ao trabalho”. Não adianta dizer-se que o Brasil irá crescer e ultrapassar a linha do subdesenvolvimento, alcançar o primeiro mundo, se o busca apenas criando empregos e salários, sem incentivar o trabalho, sem conscientizar para o trabalho, sem educar para o trabalho.
“‘Se o trabalho não me honra, hei de honrar o trabalho’, foram as palavras com que Epaminondas, o futuro herói de Leuctras e Mantinéia, respondeu a seus inimigos políticos que o haviam elegido para chefe da limpeza pública em Atenas. Movido por este espírito, converteu uma tarefa tida por desprezível em verdadeira obra de engenharia sanitária.
Segundo Jesus Cristo, em uma de suas parábolas, não seremos julgados no Tribunal Divino pelo número de talentos a nós confiados, mas pela fidelidade na aplicação destes!.
“Nenhum trabalho é enfadonho, se feito em nome de um ideal. A falta de um objetivo digno degenera-se em rotina maçante. E é necessário conhecer amplamente aquilo em que e porque se trabalha, ainda que seja do todo, uma parcela insignificante!” (Autor ignorado).
            Percebe-se pelo exposto, que o futuro não está no emprego, na função, na tarefa, mas no homem.
            Precisamos romper com a falsa noção de que não podemos ser perfeitos em nada. O ideal posto diante dos homens pelo maior mestre de todos os tempos é a perfeição: “Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai que está nos Céus”.       
Concluindo, voltaremos a Rui Barbosa, em sua “Oração aos Moços”, espécie de testamento espiritual composto por ocasião do seu jubileu jurídico:

Oração e trabalho são os recursos mais poderosos na criação moral do homem. A oração é o íntimo sublimar-se da alma pelo contato com Deus. O trabalho é o inteirar, o desenvolver, o apurar das energias do corpo e do espírito, mediante a ação contínua sobre si mesmos e sobre o mundo onde labutamos... Quem quer, pois, que trabalhe, está em oração ao Senhor. Oração pelos atos, ela emparelha com a oração pelo culto... Não é trabalho digno de tal nome o do mau, porque a malícia do trabalhador o contamina. Não é oração aceitável a do ocioso; porque a ociosidade a dessagra. Mas, quando o trabalho se junta à oração, e a oração ao trabalho, a Segunda criação do homem, a criação do homem pelo homem, semelha, às vezes, em maravilhas, à criação do homem pelo Criador”.

            Senhoras e senhores, a página chega ao fim e apenas citei palavras alheias. Mas, quem melhor e o quê melhor que os nomes e exemplos citados poderia eu fazer? Por favor, não sejam, tão exigentes comigo. Afinal de contas, nosso intuito era apenas contribuir para que, um dia, quem sabe, se derrube por terra esse rótulo de produto de terceira categoria que pesa sobre o servidor público.

                                                                Dalto Divino

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