CARTA DE UM BAIANO ARRETADO

A versão da carta aqui apresentada partiu da recomposição, após sua apresentação por um aluno da Escola, lá pelos idos de 80, quando ainda se faziam seções artísticas no Salão Social. Como é de domínio público, não passando de brincadeira, postamos aqui, para que esteja ao alcance dos leitores e contadores de piadas que por ventura nos venham visitar.


Brasília – DF, 30 de fevereiro de 2005.

Querida "mainha", sua bênção!
Como vão as coisas daí? Tá tudo bem? Aqui, tudo na paz do "Sinhô do Bonfim". Tô com uma saudade porreta da Bahia.

"Mainha", tô com uma saudade porreta de tudo e de todos daí.
"Mainha", tô escrevendo duas cartas. Mando uma dentro da outra que é para o caso de, extraviando uma, outra podê chegar.
Comprei algumas coisas pra senhora. Uns sapatos, que, por mais que procurasse, não consegui encontrar do tamanho 44 – só se fossem os coturnos do sargento -, por isso mando dois tamanho 22 que deverá dar na mesma. De qualquer maneira, a caixa que é de excelente qualidade deverá servir, se quiser calçá-la. Também comprei dois vestidos novos. Um de chita, que é para a senhora meter no trabalho de casa e outro de seda que é para a senhora meter na rua e nas festas da gente bacana quando for à cidade.
To mandando o dinheiro que a senhora me pediu para limpar o roçado da frente. O de trás, como deve estar muito sujo, a gente faz um mutirão dos cabra sarado da fazenda e limpa quando eu for aí, pois, além de ficar mais barato, será bem mais divertido. Poderemos fazer uma farra na velha gruta do despenhadeiro e depois nos divertir no calabouço. Tô mandando cinqüenta reais agora e outros cinqüenta no final, que é para não desembolsar tudo de uma vez só. Mando ainda outros cinqüenta que é para a senhora investir. Mas como a inflação está de ré e a poupança estacionou, pode comprar ouro e jóia. Mas não guarda em banco que é bem capaz de lhe roubarem. Guarda em casa mesmo, mas com cuidado e segredo. Põe no baú. Abre aquelas colchas antigas e bem grossas que a senhora tem e enfia tudo bem no meio delas, lá no fundinho, que é para nenhum futriqueiro curioso e metido a besta surrupiar.
Mando também um recado que é para a senhora dar ao compadre Raimundo. Diga àquele cabra da peste que não mando o dinheiro dele porque na hora que me lembrei o envelope já estava lacrado.

Olhe, mainha! Não se esqueça de colher na hora certa as melancias, as abóboras e os melões quando estiverem bem graúdos. Lembre também que quando os cabaços das meninas estiverem maduros, tem que dar ao compadre Mané, que é para ele lascar antes que apodreça. Mas diga a ele que é para fazer os furinhos com jeito que é para arrolhar justinho e não entornar pelas rachaduras quando meter líquido dentro. Diga a ele que é para furar com ferro bem quente, para não rachar. Diga também para amarrar um laço em cada gargalo e pendurar ao abrigo do sol, para facilitar o curtume. E lembre de dizer às meninas para deixarem curtir bastante, para não ficar gosto nem cheiro ruim. Lembro também à senhora que, para o ano, meta o João na Escola que ele já tá passando da idade. Quanto à Joaninha, deixa que eu mesmo meto quando chegar aí, que é quando vai estar na idade certa.
Diga, mainha, se o burro do meu pai está bom, se a égua da minha irmã já pariu, se a besta da minha avó já sarou a pisadura, se o jegue do tio Zelão está cobrindo bem ou se está só rufiando. Bem sabe a senhora que tenho muita estima por essa tropa. E, olha, "mainha", se a terra estiver dura de arar e a senhora se apertar na lida da roça, vá se afrouxando com o jegue do tio Zelão que eu sei é bem esperto e taludo na labuta. Com aquele lé eu sei que o arado enterra mesmo. E mais, se faltar farinha na despensa, vá se virando com a mandioca do vizinho. Se ele encrespar, diga a ele que quando eu chegar, em vez de plantar a minha no talhão da nossa horta, planto no dele como paga. Diga à minha noiva Norminha que, se a farinha dela também acabar e ela não quiser usar a mandioca do vizinho, para esperar até maio pra
dar tempo da minha engrossar.
Novidade para a senhora, mainha. Assentei praça na Marinha. Ainda sou recruta, mas me disseram que se eu me esforçar bastante, em pouco tempo poderei ser promovido a “Almirante da Cavalaria Aérea”, que, me disseram, é o mesmo cargo que um tal de Lula está ocupando aqui na capital federal. Já pensou, mainha? Eu, seu filho único comandando uma esquadra de cavalos pelo céu?
Mainha, mande-me um daqueles remédios que só a senhora sabe preparar e que cura qualquer doença. Tá dando um surto de peste nas aves daqui. Ainda não sei qual é a danada da praga, mas a pomba da vizinha está toda inchada, a rola do tenente está de asa caída, a perua da Ana Catacavaco está toda depenada e de crista baixa, as galinhas estão que nem conseguem botar... até meu periquito está todo roxo, molinho, molinho e babando-se todo. Pobres bichinhos...
Por hoje é só, mainha.
Um grande abraço de seu filho que ainda é recruta mas logo estará de "cabo pra riba”.

Zé Fincapau.



CONTRATOS E INADIMPLÊNCIA

A palavra inadimplência
Vem de inadimplemento:
É a desobediência
Ou o descumprimento
De toda e qualquer exigência
De um contrato em andamento.

Em qualquer sociedade
Ou contrato particular,
Está acima da Lei
Ou do interesse do par,
O interesse do indivíduo
Em se auto-beneficiar.

Cláusula imprescindível,
É, pois, da inadimplência
No regulamento das demais
- cláusulas de competência -,
Para que se cumpra o prescrito
Sem prejuízo ou falência.

Considero o casamento
Um contrato vitalício,
De muito constrangimento
E de grande sacrifício,
Feito sob juramento
Junto ao foro, sob ofício.

É um contrato de risco,
De mútua exploração,
Pra durar a vida inteira
Sem haver dissolução.
Só com a morte de um,
Pode haver separação.

É inadimplência o respeito
Motivadamente perdido;
É inadimplência o amor
Quando não correspondido.
É quebra do juramento
Um ao outro prometido.

Expedida a Certidão,
Deveria o Magistrado
Incluir a inadimplência,
Cláusula em separado,
Para que no descumprimento
Fosse o réu penalizado.

El Cornero – 28/03/95